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  • Foto do escritorAntonio C. de Barros Jr.

Saúde "mental" em tempos de coronavírus: cuidando de si e dos outros

Atualizado: 17 de set. de 2021


Imagem de Tumisu por Pixabay

Março de 2020: estamos todos mobilizados com a pandemia do coronavírus. Como fica a saúde psíquica ("mental") de todos nesta crise?


A primeira coisa é que, possivelmente aumentou, para muitos de nós, o nível de ansiedade (preocupação excessiva com o futuro, com o que está por vir, que é tido como perigoso e, para o qual, nos sentimos pouco preparados) e/ou de angústia (grande inquietação interna e desconforto; aperto no peito, na garganta; medo difuso, sem “objeto” específico; algo que nos ameaça como sujeitos ou como seres vivos) (*).


As angústias nos remetem a vivências nossas muito antigas, a quando, por exemplo, nos demos conta, em algum nível, de que dependemos dos outros para viver, do quanto somos desamparados, de que não somos invencíveis, de que coisas ruins podem nos acontecer, de que não somos tudo para a nossa mãe ou o nosso pai, de que vamos morrer, algum dia.

Acontece que é muito ruim sentir angústia, então costumamos canalizá-la para outras coisas e, não raramente, para sintomas. Assim, numa crise como a de agora, podem aparecer ou serem agravados, por exemplo:

  • sintomas físicos (gastrite, enxaquecas, insônia, erupções na pele, etc.);

  • comportamentos compulsivos (comer demais, beber demais, etc.);

  • pensamentos obsessivos ou rituais intermináveis - compulsivos também (conferir se trancou a porta 50 vezes, lavar-se até se ferir, etc., que recobrem, por exemplo, a angústia do não controle sobre as coisas);

  • medos específicos (medo de perder o emprego, que recobre a angústia de perda da identidade como sujeito, de ser considerado inútil, fracassado frente aos outros, de viver numa marginalidade total, como a de moradores de rua; medo de adoecer ou de que entes queridos adoeçam, que recobre a angústia da própria morte ou de desamparo pela perda desses entes queridos).

O momento atual pode também provocar tristeza ou agravar sintomas depressivos, que, fatalmente, estão associados a alguma dimensão de perda (real ou imaginada, específica ou difusa; sentida, de qualquer forma). De certa maneira, estamos vivendo um luto do modo de vida, de trabalhar que tínhamos, do controle (imaginário) sobre as coisas. Então, será preciso primeiro apropriar-se dele e, aos poucos, ir abrindo-se para novas possibilidades.


Atrelado a isso, a crise pode reacender a questão da solidão. Somos seres sociais, precisamos dos outros, mas também vivemos sozinhos – nascemos, morremos, sentimos o que sentimos sozinhos. É importante, pois, entrar em contato com essa dimensão da nossa existência. Mas sem que isso nos sufoque. A recomendação é que tenhamos esses momentos de solidão, sem que deixemos de perceber que estamos conectados, mesmo à distância, com família, com amigos, com colegas de trabalho, com chefes.


É preciso prestar atenção em si mesmo e nos outros (colegas, amigos, familiares, liderados, líderes) quanto a esses sintomas e a essas angústias, e oferecer apoio, escuta. Caso necessário, procurar ajuda profissional.

Aquele discurso de separar a vida pessoal da profissional, se já era balela antes, agora se tornou quase ofensivo. Dizer que o líder não é terapeuta para tratar das questões pessoais, emocionais dos liderados já era um mecanismo de defesa para não lidar com as próprias angústias, agora pode e deve ser revisto. De fato, o líder não é terapeuta, mas é gente. Deve acolher as questões como gente, sem que precise resolvê-las pelo liderado.


Ressalto que o bombardeio de informações que estamos recebendo tende a aumentar a nossa ansiedade e angustiar-nos mais, mesmo que não percebamos.


Por isso, a recomendação que faço é de consultar notícias com menos frequência, talvez uma vez ao dia apenas e, se possível, evitar compartilhar informações que gerem mais apreensão, sem serem úteis, de fato. É importante trazer notícias positivas também, celebrar pequenas vitórias, alegrias, além de usar o humor, sempre que cabível e possível - funciona como descarga psíquica. Ninguém aguenta focar apenas no trágico, no negativo.


É essencial também dedicar-se a outras coisas: ao trabalho, à família, aos amigos (mesmo que virtualmente, dadas as recomendações de isolamento social das autoridades de saúde). Verificar a possibilidade de começar projetos pessoais que estavam engavetados. Ler mais, cuidar do corpo (existem aplicativos e plataformas que ensinam a fazer exercícios em casa, por exemplo).


Nas empresas, que tal organizar rodas de conversas virtuais sobre o que está acontecendo, sobre melhorias que podem ser realizadas, sobre coisas criativas que podem ser pensadas conjuntamente para lidar com a crise? Os líderes, as equipes têm a possibilidade de discutir o real propósito de fazer o que fazem nas suas áreas, nos seus departamentos, nos seus negócios, e a forma como fazem.


O vírus nos traz a chance de parar para pensar nos nossos limites como seres humanos, em como lidamos com perdas e com certo vazio que temos em nossa essência. A nossa cultura nos ensina a, desesperadamente, preencher esse vazio com mil atividades. Tempo parado no trabalho ou na vida pessoal virou sinônimo de improdutividade, de tempo perdido. E a gente não se permite parar nunca! (Discurso social, corporativo por um lado, defesa maníaca contra a angústia, por outro).

Neste momento, talvez possamos pensar: qual o real sentido de tanta "produtividade" almejada? O que está por trás disso? Será que a nossa existência se resume a competir com os outros, a buscar o “pódio”, a lucrar cada vez mais (sem limites, custe o que custar!)?


É óbvio que isso nos traz um gozo, uma satisfação, que, muitas vezes, tem relação com jogos de poder (para as empresas e para as pessoas), mas penso que, como espécie e como sujeitos, talvez possamos ser mais do que isso.


Encerro dizendo que a questão que alguns debatem sobre se, na crise, o copo está meio vazio ou meio cheio, digo que o copo está, dialeticamente, meio vazio E meio cheio. É luto, é sofrimento, é angústia, mas é também possibilidade de nos reinventarmos como seres humanos, como empresas, como sociedade.


Tomara que não seja só retórica utópica da minha parte...


REFERÊNCIAS:

BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 8ª. ed. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2011.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 3ª. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angústia. In: Obras Completas, volume 17: Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos (1926 ‑1929). Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

KLEIN, Melanie. Nosso mundo adulto e suas raízes na infância. In: Inveja e gratidão. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

KLEIN, Melanie. O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos. In: Amor, culpa e reparação e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

LACAN, Jacques. O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

MEZAN, Renato. Interfaces da psicanálise. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2002.


(*) Detalhe técnico: muitos autores não distinguem ansiedade de angústia, por razões que não cabe aqui explicar. Prefiro adotar a distinção entre os conceitos, ainda que eles estejam interligados (ex.: há um componente de angústia na ansiedade, por exemplo).

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